Ensinar artes marciais é um grande problema quando os alunos não querem praticar luta. É verdade que a maioria dos alunos procuram a academia por motivos de saúde e não pela luta em si. Por isso muitos alunos não querem lutar, forçando os professores a adaptarem suas aulas. Então neste artigo eu vou falar os 3 passos para que você não descaracterize suas aulas ao adaptá-las para este público.
O Grande Dilema: Alunos que Não Querem Lutar
Um dos maiores dilemas dos professores de artes marciais é o de ensinar para alunos que não querem lutar. Muitas pessoas não gostam da musculação e da academia de ginástica, por isso procuram outras formas de se exercitar. Assim, grande parte dessas pessoas chegam nas modalidades de combate por serem formas mais dinâmicas de se exercitar. Existem pessoas que até gostam da ginástica de academia, mas também se interessam pelas artes marciais como forma de perder peso e/ou manter a saúde.
O problema é que na maioria das vezes estas pessoas não querem lutar. Não querer lutar não é o problema em si, não há nada de errado com isso, ninguém é obrigado. Só que normalmente lutar é o que o professor de uma modalidade de combate mais quer (ou deveria querer) ensinar.
O resultado disso é que para atender os objetivos destes alunos os professores se veem obrigados a modificar suas aulas. Não modificar significa perder a maior fonte de renda das academias: os alunos que não querem lutar. Sem eles, a academia ou escola corre o risco de fechar. É aí que está o problema: os professores querem ensinar a luta, mas se veem obrigados a eliminá-la das aulas.
Arte Marcial Sem Luta?
Para atender os objetivos dos alunos e manter a aula dinâmica sem a luta, a solução mais frequente é mistura-la com elementos de ginástica. O resultado é uma aula fitness que usa elementos das artes marciais e de esportes de combate.
É preciso deixar bem claro que não há nada de errado com isso. É uma questão de objetivo do aluno. Só que essa adaptação que remove a luta das aulas descaracteriza a arte marcial. Para que você não descaracterize suas aulas é preciso manter a luta. Uma aula de artes marciais sem o contexto da luta é uma aula de ginástica. Novamente, nada de errado com isso, mas não é o que você diz ser.
Então se você quer ensinar artes marciais é preciso encontrar uma forma para que você não descaracterize as suas aulas. Mas ao mesmo tempo você não pode espantar os alunos. É preciso quebrar essa resistência sem que o aluno perceba. Parece uma tarefa impossível… Mas não é!
Entenda Por Que as Pessoas Não Querem Lutar
Primeiro de tudo, para sair desse empasse é identificar as razões pelas quais as pessoas geralmente tem medo de lutar.
É preciso reconhecer que existe uma visão estereotipada da luta. A indústria do entretenimento é a principal responsável pela massificação de um modelo específico de luta. São dois os caminhos por meio dos quais isso é feito. Um deles são os filmes de artes marciais e o outro o espetáculo esportivo.
Embora você possa pensar que não, os filmes ainda ajudam a ditar a visão de luta do público. Por outro lado, o esporte espetáculo, as grandes competições olímpicas, de boxe e mma reafirmam este modelo.
Mesmo que não pareça, para um olhar superficial, existe algo em comum na forma como a luta é apresentada nestas duas formas de entretenimento. Porém, esse elemento é ofuscado pelo contraste entre a fantasia dos filmes e a realidade dos combates esportivos. A exaltação da dor e de sua “superação”, a cara amarrada dos combatentes e o “sofrimento” da preparação pré-confronto são elementos comuns aos filmes e espetáculos esportivos de luta.
Manifestações de sentimentos de raiva também estão presentes muitas vezes e não é só nos filmes. Existem diversos exemplos disso envolvendo atletas como Rouda Rousey, Bethe Correia, Chael Sonnen e outros. A mídia utiliza este elemento como forma de marketing para promover mais as lutas, o que faz parte do espetáculo. Eu poderia colocar alguns vídeos aqui para ilustrar, mas não quero dar mais ibope do que isso já tem.
3 Passos Para que Você Não Descaracterize Suas Aulas
Pode parecer que não, mas esses elementos entram no imaginário das pessoas e criam um senso comum do que é luta. Isso independe da atuação, do papel representado tanto nos filmes quanto nos esportes pelos seus respectivos personagens. Daí surge o medo, a “repulsa” e o afastamento da luta por parte das pessoas que querem as artes marciais e esportes de combates como forma de lazer ou saúde.
Pode soar absurdo para a maioria dos praticantes, mas nem todo mundo quer se submeter à dor para aprender a lutar. E de fato, isso não é necessário. Para que você não descaracterize suas aulas é preciso entender que a forma esportiva de lutar não é a única. Também não é nem a melhor e nem a pior, mas apenas UMA das possibilidades, que nem todo mundo quer. Acontece que as indústrias do entretenimento e do esporte potencializam essa manifestação específica. Não vou me alongar nesse ponto porque já falei sobre a esportivização das artes marciais e das lutas neste artigo.
O fato é que existem sim pessoas que querem praticar esse modelo de luta e outras que não querem, assim como existem outras que ainda não querem. O que eu quero é te mostrar uma possibilidade para que você não descaracterize as suas aulas e aproxime a prática de luta de todas essas pessoas. Esse caminho passa pela compreensão dos elementos que caracterizam e constroem o ato de lutar.
#1 Passo – Entenda o que Caracteriza a Luta
O primeiro passo para que você não descaracterize suas aulas de artes marciais é entender o que se caracteriza como luta. A luta é em primeiro lugar um tipo de jogo entre duas ou mais pessoas. Porém nesse jogo o alvo está localizado no oponente, o contato físico é proposital e os oponentes podem atacar e defender simultaneamente. Ou seja, é possível atacar enquanto se defende – isso é, ao mesmo tempo – e vice-versa. E como em todo jogo, a luta é imprevisível. Por isso se o exercício for combinado, se um dos indivíduos sabe o que o outro vai fazer, então a atividade não é luta. Pode ser um exercício para luta, mas não é a luta em si.
#2 Passo – Saiba as Habilidades, Inteligências e Capacidades
O segundo passo é compreender que existem certas habilidades, inteligências e capacidades físicas que são inerentes a esse tipo de jogo. As principais habilidades que compõe a luta são atingir, derrubar, imobilizar e excluir o adversário de uma determinada área. Dessas quatro habilidades derivam muitas outras e existem diversas formas de executá-las. Só como exemplo, existem diversas formas de atingir, utilizando diferentes partes do corpo. Para isso não é preciso ser contundente.
Entre os tipos de inteligência temos a inteligência espaço-temporal, rítmica, emocional, corporal e outras que compõe a inteligência tática. A inteligência tática é que diz respeito a sua capacidade de tomada de decisão. Mais do que em qualquer jogo, na luta as decisões devem ser tomadas num espaço de tempo curtíssimo, frações de segundo.
As capacidades físicas da luta são a força, potência, velocidade, coordenação motora, agilidade (velocidade + coordenação motora) e flexibilidade.
#3 Passo – Acrescente o Aspecto Lúdico
Utilize todos os elementos que caracterizam o ato de lutar descritos no #1 passo para criar jogos lúdicos que contenham essas inteligências, habilidades e capacidades físicas. O elemento lúdico é essencial para atrair a pessoa que não quer lutar. Só assim ela vai aceitar derrubar e ser derrubada ou atingir e ser atingida se ela tem medo disso.
É importante entender que ser lúdico não é ausência de seriedade. O jogo é algo muito sério porque é desafiador, ninguém quer perder. Ser lúdico significa tornar a atividade mais atrativa, divertida, mais leve. Quem trabalha com a luta nessa perspectiva sabe o que é ver um aluno que tem medo de lutar se divertir sendo derrubado ou ter levado um chute.
É preciso compreender também que se divertir ao ser atingido não é negligência. Não é achar engraçado cometer um erro que não deveria ser cometido. Isso na verdade significa se abrir para o ato de lutar. O elemento lúdico disfarça todos aqueles elementos presentes na luta do qual aquele indivíduo tem medo. Dessa forma ele desenvolve todas as habilidades, inteligências e capacidades físicas necessárias para lutar sem perceber. Na percepção do aluno ele está apenas brincando, quando na realidade, você que planejou a atividade sabe que ele está aprendendo a lutar. E com a sua orientação essa pessoa se tornará consciente do que ela está fazendo e aprendendo.
Trabalhe na Perspectiva do Jogo ao Invés da Ginástica
Para que você não descaracterize suas aulas é preciso sair um pouco da perspectiva da ginástica para trabalhar na perspectiva do jogo. A ginástica pode desenvolver as capacidades físicas e as habilidades necessárias para lutar, mas não as inteligências. Para desenvolver estas inteligências é preciso da oposição de um adversário dentro de situações imprevisíveis.
Não defendo que você tenha que remover o treino de habilidades como chutes, socos e projeções separados da luta. Isso é importante do ponto de vista do desenvolvimento técnico. Mas para que você não descaracterize suas aulas é preferível que você evite cair em pura ginástica esquecendo a luta. Se existe uma capacidade física que você pode desenvolver por meio de um jogo de luta, talvez essa seja a melhor opção. Nos esportes coletivos de alto rendimento já se faz isso, por que não nas lutas?
Fazendo isso você pode ter certeza que a quantidade de alunos que vão aderir ao ato de lutar será maior. Então, um aluno que antes tinha medo de lutar poderá se ver capaz de lutar da maneira como você gostaria. Pode ser que até se sinta estimulado ou estimulada a participar de uma competição, pois sabe que é capaz. Mesmo que não queira participar deste modelo de luta, pouco a pouco aceitará treinar de forma mais intensa naturalmente. No mínimo essa pessoa irá desenvolver o gosto por praticar a luta como forma de lazer.
Essa é minha solução para que você não descaracterize suas aulas de artes marciais ou esportes de combate. Não precisa se render ao fitness para manter os alunos que só querem praticar uma atividade física diferente. Basta trabalhar na perspectiva do jogo ao invés da ginástica. Se você não souber como fazer isso, clique aqui que eu te ajudo!
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