O esporte é um fenômeno tão estabelecido na cultura contemporânea que as pessoas estão acostumadas a ver todo tipo de prática corporal ser convertida em esporte. Isso é tido como natural talvez pela maioria das pessoas, que tendem a enxergar o esporte como a forma legítima de atividade física. Talvez por isso poucas pessoas se perguntem por que as artes marciais possuem a tendência de se transformar em esportes de combate. Essa tendência pode ser explicada pela teoria do processo civilizador, que é o que será abordado neste artigo.

Essa teoria, do sociólogo alemão Norbert Elias, explica o contexto em que surgiu o esporte, na Inglaterra a partir do século 18. Ela também explica como o esporte se espalhou pelo mundo tornando-se a expressão hegemônica da cultura corporal de movimento. Esse assunto é muito interessante e nele você vai descobrir a relação do futebol e do rúgbi com as artes marciais. Acredite, essa relação existe!

Hoje eu vou dar continuidade ao meu artigo anterior, onde eu expliquei por que a eficiência em combate de artes marciais tradicionais não se testa em campeonatos. Aproveito para dedicar este artigo à minha professora de sociologia do esporte, Heloísa Helena Baldi dos Reis.

O Conceito de “Civilizado”

Para entender a teoria do processo civilizador precisamos começar do mais básico: definir o conceito de civilizado. Esse conceito descende dos termos franceses “civilité” (GONÇALVES, 2018; COSTA & MENEZES, 2018). Civilité” vem do latim “civilitas”, que quer dizer cortesia e sociabilidade, conforme explica Gonçalves (2018). Além disso, “civilité” tem relação com o cristianismo romano e seu significado foi construído no contexto das Cruzadas.

Ao citar Elias, o autor explica que este termo era utilizado pela nobreza francesa, inglesa e alemã para definir seu próprio comportamento. Esse comportamento específico era o que fazia com que a aristocracia se sentisse diferente daqueles a quem eles julgavam mais primitivos. Ou seja, a aristocracia considerava que possuía um comportamento que as outras classes não possuíam: o comportamento “civilizado”. Dessa forma, ser “civilizado” significava distanciar-se do estado de “barbárie” ou até de “selvagem”.

Com o tempo a burguesia passou a adotar os comportamentos da nobreza e o conceito de “civilizado” foi disseminado na sociedade. Dessa forma, civilizado deixou de ser a forma como a aristocracia se diferenciava das demais classes. Agora o comportamento civilizado passava a ser a forma como os europeus se enxergavam em relação aos não-europeus.

O tremo civilizado, então, sempre foi eurocêntrico desde a origem. Por esse motivo na expansão do domínio europeu eles acreditavam que tinham como missão levar o comportamento civilizado aos “selvagens” e “bárbaros”. E quem eram os “selvagens” e “bárbaros” na visão europeia? Os nativos da América, África, Ásia e Oceania.

Processo Civilizador: a Origem do Esporte

Agora você deve estar se perguntando… O que tudo isso tem a ver com esporte? E ainda mais com arte marcial?

Agora é que começa a parte interessante!

O esporte surge como parte do processo civilizador a partir do século 18 na Inglaterra. Ele surge com a esportivização das atividades de lazer da aristocracia e burguesia e principalmente dos jogos populares (BRACHT, 2005). Isso acontece simultaneamente com o movimento ginástico na Europa continental durante a formação dos estados nacionais. Não vou abordar o movimento ginástico aqui pois já expliquei sua relação com as artes marciais neste artigo.

Existem autores que defendem que o esporte sempre existiu e o que aconteceu a partir do século 18 foi a sua modernização. Por isso eles se referem ao esporte como conhecemos hoje pelo termo “esporte moderno”. Porém segundo Bracht (2005) estes autores levam em consideração um elemento comum ao esporte e suas práticas corporais antecessoras. Esse elemento é o jogo.

Por esse motivo, alguns autores argumentam que o esporte é um fenômeno que surgiu apenas na modernidade. Antes dos esportes existiam jogos tradicionais com características distintas. Isso será discutido mais à frente. Assim, utilizo o termo “esporte” para me referir ao fenômeno moderno e “jogos” para as práticas que lhe deram origem. E é destes jogos, especificamente os jogos populares ingleses que falaremos agora.

processo civilizador

Clique aqui e entenda como a ginástica ocidental foi incorporada às artes marciais orientais.

Estas formas embrionárias do futebol moderno “eram formas de jogos de combate intergrupais que se assemelhavam mais a lutas reais”

O surgimento do esporte aconteceu como consequência de uma mudança na organização da sociedade inglesa. Isso envolve não só a nacionalização do comportamento civilizado, mas também a nova ocupação do espaço e um novo sistema de economia. Por causa disso os jogos populares começaram a cair em desuso por volta de 1800. Porém, estes jogos, formas embrionárias do futebol e do rúgbi, sobreviveram nas escolas públicas, que foram o berço do esporte.

Até esta época existia, pelo menos desde o século 12, uma classe de jogos populares chamada football e outros jogos similares. Estas formas embrionárias do futebol moderno “eram formas de jogos de combate intergrupais que se assemelhavam mais a lutas reais” (DUNNING; CURRY, 2006). Existe um relato do século XVII sobre um jogo chamado hurling que nos dá uma ideia de como estes jogos eram jogados.

hurling era um jogo organizado pela nobreza em que o objetivo era carregar uma bola até o goal (alvos). Os goals eram as próprias casas destes cavalheiros ou duas cidades ou vilas distantes aproximadamente 4-6 km (DUNNING; CURRY, 2006). Não havia igualdade numérica entre as equipes nem limite de jogadores e o objetivo era levar a bola até a meta pela habilidade ou pela força. Além disso o terreno do jogo não era demarcado, mas definido pelos costumes.

Os Jogos Populares Não Eram Nada “Civilizados”

A título de curiosidade e para ilustrar o caráter dos jogos, segue uma descrição de um jogo de hurling*. Essa descrição feita por um indivíduo chamado Carew, no século 17 e aqui eu adaptei de Dunning & Curry (2006):

Os Hurlers (jogadores do hurling) abrem caminho por montes, escarpados, vales, várzeas, muros, arbustos, lamaçais, atoleiros ou qualquer obstáculo, de modo que algumas vezes pode-se vê-los em grupos de 20 ou 30 lutando na água, engalfinhando-se pela bola. Um jogo (altamente) rude e áspero e como não seja destituído de regras e planos de ação, de alguma maneira se assemelham aos feitos de guerra: há cavaleiros bem colocados de um ou outro lado, prontos para se afastarem com a bola se a puderem recuperar… Mas nenhum cavalga longe o suficientemente rápido, sem certamente encontrar na esquina de algum muro, sob uma ponte ou escondido na água aquele que o busca… E se sua boa sorte não o guarda, ele pagará o preço pelo roubo, com sua queda e a de seu cavalo…

Certamente não é um jogo que passaria na TV. Muito menos seria parte do programa dos Jogos Olímpicos já que

(…) é um jogo acompanhado por muitos perigos, que derrubam os jogadores. Prova disso é que quando terminado o jogo, pode-se vê-los repousando em casa, como vítimas de uma batalha, com cabeças ensanguentadas, ossos quebrados e fora do lugar e machucados que servirão para lhes encurtar os dias.

Este relato mostra que o jogo não era totalmente sem regras e que havia uma organização. Havia uma divisão de trabalho que mostra que as posições do futebol e do rúgbi tem raízes militares. Por outro o terreno de jogo era tão grande e as regras tão vagas que havia jogadores a cavalo e a pé.

*Existe atualmente um esporte chamado hurling que é jogado na Irlanda, mas que apesar do nome não corresponde ao hurling descrito acima. Veja no vídeo abaixo como é esse esporte, que é o esporte mais rápido na grama.

Os jogos populares eram tradicionalmente ligados a festivais e feriados religiosos ou à preparação militar

Além de vagas, as regras dos jogos populares eram transmitidas por tradição oral, além de que não havia árbitros. Além disso as equipes eram formadas por membros de grupos específicos e seus adversários eram conhecidos tradicionalmente como “inimigos”. Exemplos disso seriam solteiras vs. casadas ou sapateiros vs. alfaiates, ou Bros vs. Blenaus, que veremos na descrição abaixo, datada do século XIX.

Os jogos populares eram tradicionalmente ligados a festivais e feriados religiosos ou à preparação militar. A partida de football entre Bros e Blenaus era jogada todos os Natais em uma paróquia ao sul de Lampeter. Os Bros eram descendentes de irlandeses e os Blenaus presume-se que eram britânicos “puros”. Os Bros ocupavam o planalto da paróquia e os Blenaus a planície.

O jogo começava ao redor do meio dia… Então, todos os Bros e Blenaus, ricos, pobres, homens e mulheres, reuniam-se na estrada que dividia o planalto da planície. A bola era jogada ao ar e quando caía, Bros e Blenaus disputavam sua possessão. Um quarto de hora, frequentemente decorria antes que alguém conseguisse sair do amontoado de gente… Então se um Bros pudesse levar a bola ao planalto, eles ganhariam. Os Blenaus seriam bem sucedidos se conseguissem levar a bola para a sua extremidade da paróquia…

Football Era um Jogo Violento

O futebol moderno é um jogo bastante “civilizado” – para usar a terminologia de Norbert Elias. Mas o football e suas variantes que deram origem ao futebol moderno eram jogos muito violentos. Chega a ser engraçado imaginar um jogo com tanta pancadaria, de tão absurdo que era. Mas o próximo trecho dá uma ideia do grau de intensidade e violência de um jogo entre Bros e Blenaus:

A paróquia inteira era o campo, e muitas vezes, escurecia antes que algum time tivesse assegurada a vitória. No ínterim, muitos pontapés eram dados e levados, de modo que no dia seguinte os concorrentes eram incapazes de andar e às vezes um pontapé na canela conduzia dois homens ao abandono do jogo, ao menos até que se decidisse quem era o melhor pugilista… (…) Uma vez que o goal era alcançado, a vitória era celebrada com gritos e tiros ao ar e a cidade não se perturbava novamente até o Natal seguinte (adaptado de DUNNING & CURRY, 2006).

Como os Jogos Populares Sobreviveram nas Escolas Públicas

Deixando de lado as descrições dos jogos populares, vamos avançar um pouco mais no processo civilizador. O processo civilizador foi responsável por tornar a sociedade menos violenta, tendo a origem do esporte como uma consequência. Isso se deu por várias razões. Uma delas, como já citado, foi a adoção do comportamento da nobreza, primeiro pela burguesia e depois pelas camadas populares.

Além disso, houve pelo menos mais dois fatores que influenciaram este processo. Um deles foi o monopólio da violência pelo Estado. Vamos lembrar que esse foi o período da formação dos estados nacionais. Portanto, o poder passou a ser centralizado na figura do Estado, que agora tinha mecanismos mais eficazes de controle social. Assim, com a estatização do exército e a formação de novas forças policiais o monopólio da violência foi assegurado (DUNNING; CURRY, 2006; JÚNIOR et al, 2013).

O terceiro fator foi a emergência da economia capitalista, impulsionada pela Revolução Industrial. Isso ocasionou o aumento populacional nas cidades por causa das fábricas. Assim, o espaço passou a ser ocupado de forma diferente do que era antes, impossibilitando as partidas de football (DUNNING; CURRY, 2006).

Por causa desses três fatores os jogos populares eram incompatíveis com o novo tipo de sociedade que estava surgindo. Dessa forma eles foram caindo em desuso, sobrevivendo nas escolas públicas e posteriormente nas universidades. Então nesse ambiente o esporte começou a tomar forma.

Culto aos Jogos e o Início das Regras Escritas

No início, o football jogado nas escolas ainda era violento e mantinha a transmissão oral das regras. Nas partidas em Chaterhouse, por exemplo, sempre havia muitas tíbias quebradas porque a maioria dos jogadores usava chuteiras com ponta de ferro (DUNNING; CURRY, 2006).

Porém, entre 1830 e 1840 novas formas do jogo começaram a surgir nas escolas públicas. Nesse momento as regras começaram a ser escritas. O campo de jogo passou a ser demarcado e foram estipulados limites de tempo para os jogos. Além disso, o número de jogadores foi reduzido e as equipes passaram a ter o mesmo número de jogadores. Esta última prática pode ter recebido influência das partidas organizadas por bares, que envolviam apostas em dinheiro. Por último, foram estabelecidas regras que impunham limites em relação ao uso da força.

A partir de 1850 estes jogos começaram a se tornar populares e se espalhar pela sociedade inglesa. O aumento da classe média e uma transformação educacional nas escolas públicas conhecida como “culto aos jogos” foram determinantes nesse processo (DUNNING; CURRY, 2006). Assim, várias escolas passaram a jogar as novas formas de football.

Como a Rivalidade Entre Escolas Deu Origem às Primeiras Associações Esportivas

Este era um período em que havia muita rivalidade entre as escolas de classe média e alta. O modelo da escola chamada Rugby, que provavelmente foi a primeira a ter regras escritas, estava se tornando muito popular. Muitas escolas passaram a praticar uma forma de jogo baseada nesse modelo. Os alunos de Eton, que era de classe alta, não gostaram dessa popularidade e quiseram se diferenciar. Assim, essa escola desenvolveu seu próprio jogo, que não permitia o uso das mãos, escrevendo suas regras dois anos depois de Rugby.

Com a difusão, era questão de tempo até que as escolas quisessem jogar umas contras as outras. Como não havia uma regra unificada, os jogos eram recheados de conflitos. Assim, foi formada a primeira associação esportiva, a Football Association (FA), com o objetivo de unificar as regras. O problema é que algumas escolas apoiavam o modelo de Eton e outras apoiavam o de Rugby.

Foram feitas diversas reuniões da associação para definir as regras. Nessa época o football já tinha se estabelecido como uma forma de lazer nas universidades de Oxford e principalmente Cambridge. Ao mesmo tempo, diversos clubes de football já tinham sido formados. No final, houve uma pressão para que Cambridge adotasse as regras que proibiam o uso das mãos. Assim, ficou definido que as regras da Football Association proibiam o uso das mãos. Nasceu então o futebol como conhecemos.

Rugby e as escolas que apoiavam seu modelo de jogo ficaram descontentes com a proibição do uso das mãos. Por isso elas se retiraram da FA e fundaram sua própria associação, a Rugby Football Union. Nascia então um novo tipo de football que recebeu o nome da escola, o rúgbi.

Quais São as Características que Definem o Esporte?

A divisão entre o futebol e o rúgbi foi crucial para a definição das características do esporte moderno. Diversos jogos passaram a se organizar em torno de associações e escrever suas regras. Antes do surgimento dos clubes muitos jogos eram associados a festas religiosas, como a partida entre Bros e Blenaus, que acontecia nos Natais. As Olimpíadas, na Grécia antiga, eram realizadas para homenagear os deuses do Olimpo (daí o nome Olimpíadas).

Por isso existe uma grande diferença de sentido entre os antigos jogos e o esporte. Outro exemplo disso era um jogo semelhante ao vôlei e ao basquete que era jogado pelos maias. A partida era realizada durante um ritual de sacrifício e ao final um jogador era sacrificado, tendo o seu coração perfurado para jorrar sangue (BRACHT, 2005).

Assim, o processo civilizador foi responsável por estabelecer as características que definem o esporte. Bracht (2005) resume essas características em competição, rendimento físico-técnico, record, racionalização e cientifização do treinamento. Segundo o autor, em estudo de 1979 Guttman definiu sete características, que eu considero mais precisas. Por isso quero fazer uma breve explicação de cada uma contextualizando com a esportivização das artes marciais.

1# Secularização

O esporte não possui relação com festas religiosas, rituais e homenagens aos deuses. As lutas de wrestling em diversos povos era celebrada em rituais de guerra e festas religiosas. O shuai jiao era celebrado nestas ocasiões e hoje não é mais. Muitas lutas de wrestling ainda são associadas a festivais religiosos em tribos indígenas e aborígenes por todo o mundo. Por esse motivo tais lutas não se encaixam no conceito de esporte.

2# Igualdade de chances

inclui a igualdade numérica. Diferente dos jogos populares, no esporte duas equipes tem o mesmo número de jogadores. Apenas nos combates esportivos se luta 1 contra 1, enquanto em situações de agressão geralmente há desigualdade numérica. A divisão de categorias por sexo e o exame antidoping fazem parte da igualdade de chances.

3# Especialização dos papeis

No esporte os jogadores se especializam em determinadas funções e modalidades, principalmente no nível profissional. Assim, no futebol cada jogador se especializa em uma função. Atletas de karatê não competem no judô. No wushu quem é atleta de sanda não compete em taolu e os próprios atletas de taolu se especializam em conjuntos específicos de formas.

4# Racionalização

Aqui entra a cientifização do treinamento. O quê, quanto e quando se treina é estudado cientificamente. Além disso o desenvolvimento tecnológico é responsável pela produção de equipamentos de prática cada vez melhores.

5# Burocratização

São as atividades relativas às associações que tomam conta das modalidades, hoje chamadas de federações e confederações. Aqui entram as regras, inscrições nas competições, duração das disputas, área de jogo ou luta, categorias de peso, etc.

6# Quantificação

A quantificação é um aspecto que não estou totalmente seguro. Mas creio que tenha relação com máximo rendimento, conquista de resultados e análises estatísticas da modalidade.

7# Busca do record

Existe no esporte uma busca pelo estabelecimento das melhores marcas: quem salta mais rápido, mais longe, o atleta mais rápido e quem conquistou o maior número de títulos.

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Como o Processo Civilizador Levou à Esportivização das Artes Marciais

Agora que a origem do esporte foi explicada, vamos voltar ao processo civilizador em si para entender como ele afeta as artes marciais. Para isso é preciso fazer um breve retorno ao conceito de “civilizado”.

Como vimos, no início este conceito era utilizado pela nobreza para se diferenciar das demais classes sociais. Porém, ao ser adotado pelas demais classes sociais por toda a Europa. Assim, “civilizado” passou a ser a forma como os europeus se enxergavam em relação aos demais povos. Na percepção europeia ser civilizado era ser superior. Portanto os colonizadores europeus julgaram ter a tarefa de levar o comportamento civilizado para os povos “bárbaros” e “selvagens” das suas colônias na América, África, Ásia e Oceania.

Se analisarmos um pouco veremos que foi assim que o processo civilizador atingiu a Ásia influenciando as artes marciais. Como elas não eram capazes de enfrentar o poder de fogo europeu, passaram a receber novos significados. Então, seja por imposição ou adaptação a novos tempos, os povos asiáticos começaram a adotar muitos costumes e comportamentos europeus. Novos conhecimentos começaram a se infiltrar no continente asiático, assim as artes marciais receberam influência da ginástica e do esporte.

Como a Espetacularização do Esporte Influencia na Esportivização

Com o passar do tempo as artes marciais passaram a sofrer cada vez mais pressão no sentido da sua esportivização. Isso foi acentuado especialmente após a Segunda Guerra Mundial com o processo de globalização e a espetacularização do esporte. Essa pressão é no sentido de inserir os países asiáticos na economia mundial com mais força.

Precisamos entender que o esporte se desenvolveu em conjunto com a sociedade capitalista. Por isso o esporte incorporou características do modo de produção capitalista, como a maximização dos resultados. A igualdade de chances, especialização dos papeis, racionalização, burocratização e quantificação são aspectos típicos do modo de produção capitalista.

Com essas características, o seu potencial como forma de lazer e o surgimento dos meios de comunicação de massa, o esporte logo se converteu numa mercadoria. Assim surgiu o que hoje podemos chamar de esporte espetáculo. Citando seu trabalho de 2004, Hirata e Pilatti (2007) apontam o fato de que muitas modalidades modificam suas regras para se adequarem mais ao formato televisivo, aumentando o seu potencial de mercantilização. Isso acontece também por pressão dos patrocinadores, pois quanto mais agradável para o público, mais se lucra com o esporte.

Por isso as modalidade esportivas modificam frequentemente as suas regras para que se tornem mais dinâmicas e atrativas para o público. Dentre as modalidades de combate um exemplo perfeito é o wushu, que vem alterando suas regras visando entrar no programa olímpico. Vale lembrar que os Jogos Olímpicos é um dos eventos esportivos mais lucrativos. Outro exemplo é o MMA, cuja enorme popularidade que desfruta hoje só foi possível pela alteração de suas regras, aumentando seu potencial de consumo.

O Processo Civilizador Canalizou a Violência para o Esporte

Por todos esses motivos o esporte hoje é a manifestação hegemônica da cultura corporal de movimento. Assim, o esporte espetáculo, ou de alto rendimento acaba fornecendo o modelo de prática corporal, mesmo quando possuem objetivos diferentes, como o lazer. Por isso, assim que se percebe ou surge uma prática corporal com potencial lucrativo, surge uma organização que se apropria dela e a transforma em esporte.

Não acho que tudo tenha que ser esportivizado, a prática popular é muito importante. Mas isso acontece muito mais rápido hoje do que há algumas décadas. O parkour e o Crossfit são ótimos exemplos dessa tendência. Mas ao mesmo tempo que o esporte espetáculo incorpora algumas práticas corporais, transforma outras em folclore, como acontece na África (BRACHT, 2005).

Esta resenha explica o processo civilizador como um processo de controle dos instintos e das estruturas emocionais. O esporte, então, é uma espécie de válvula de escape do autocontrole imposto pelo processo civilizador. “Desse modo, coletivamente, os indivíduos buscam no esporte, vivenciar emoções fortes, liberdade, poder” (GÓIS JUNIOR et al, 2018).

O esporte surgiu em consequência do processo civilizador para tirar a violência da sociedade. Isso acontece na medida em que ele permite expressar certo grau de violência dentro da sua estrutura. Você não pode bater nas pessoas na rua, mas no ringue pode. Só que o processo civilizador não terminou. Portanto, do mesmo jeito que a violência dos jogos populares deixou de ser permitida, o grau de violência permitido nos esportes de combate pode um dia deixar de ser aceito.

Então a pergunta que fica é: se e quando isso acontecer, você estará preparado/preparada para isso? Deixe sua resposta nos comentários e me diga o que achou da teoria do processo civilizador.

Referências

BRACHT, Valter. A gênese do esporte moderno. In: Sociologia crítica do esporte. 3. ed. Ijuí: Editora Ijuí, 2005.

BRACHT, Valter. O esporte e as instituições. In: Sociologia crítica do esporte. 3. ed. Ijuí: Editora Ijuí, 2005.

COSTA, Célio Juvenal; MENEZES, Sezinando Luiz. Norbert Elias e a teoria dos processos civilizadores. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 13, n. 53, p. 238-262, mar. 2014. ISSN 1676-2584. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640203/7762>. Acesso em: 10 abr. 2018. doi:https://doi.org/10.20396/rho.v13i53.8640203.

DUNNING, Eric; CURRY, Graham. Escolas públicas, rivalidade social e o desenvolvimento do futebol. In: Ensaios sobre história e sociologia nos esportes, p. 45-74. Jundiaí: Fontoura, 2006.

GÓIS JUNIOR, Edivaldo; LOVISOLO, Hugo Rodolfo; NISTA-PICCOLO, Vilma Lení. Processo Civilizador: apontamentos metodológicos na historiografia da Educação Física. Rev. Bras. Ciênc. Esporte,  Porto Alegre ,  v. 35, n. 3, p. 773-783,  sept.  2013 .   Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbce/v35n3/17.pdf>. Acesso em: 10 abri. 2018.

GONÇALVES, Sérgio Campos. Processo civilizador e colonização em Norbert Elias: uma Teoria Interpretativa através da Sociologia, da História e da Psicologia DOI 10.5216/o.v13i1.19011. OPSIS, [S.l.], v. 13, n. 1, p. 200-221, set. 2013. ISSN 2177-5648. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/Opsis/article/view/19011/15182>. Acesso em: 10 abr. 2018. doi:https://doi.org/10.5216/o.v13i1.19011.

HIRATA, Edson; PILATTI, Luiz Alberto. Modernidade e a indústria do entretenimento: o produto esporte moderno. Ef Deportes, Buenos Aires, ano 11, n. 104, jan. 2007. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd104/esporte-moderno.htm>. Acesso em: 13 abr. 2018.

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