Existe um aspecto importantíssimo para as artes marciais cuja prática e ensino são praticamente ignorados. Esse aspecto raramente mencionado é a intenção. É preciso tratar disso, pois quando a intenção dispersa, o corpo dispersa. Esse assunto é complementar ao meu ebook “10 dicas para praticar a imprevisibilidade”. Se você ainda não baixou, você pode baixar agora clicando aqui.

Quando se treina artes marciais, assim como qualquer forma de arte ou esportes, praticar movimentos apenas não basta. É preciso ter a intenção correta. Praticantes de artes marciais repetem muitos movimentos, só que desprovidos dessa intenção, a intenção é dispersa.

Ter a intenção dispersa significa que existem várias intenções diferentes ao mesmo tempo e se contrapondo. Isso afeta o modo de fazer os movimentos. No primeiro quarto do século passado, um praticante avançado de xingyiquan percebeu que os praticantes de artes marciais se preocupavam muito com a forma. Isso é, com a aparência externa dos movimentos, se estavam iguais aos dos mestres ou não. Porém, a essência estava se perdendo. Este homem se chamava Wang Xiangzhai, o melhor aluno de um dos mais famosos nomes do xingyiquan: Guo Yunshen.

Yiquan – Uma Nova Arte

Percebendo a importância que se dava para a forma, Wang compreendeu que era preciso inovar. Após muitos anos viajando pela China trocando experiências com mestres dos mais variados estilos, ele decidiu criar seu estilo. Wang aboliu as formas do xingyiquan, ficando apenas com o essencial. A essência estava contida em exercícios que Guo Yunshen não era visto ensinando, sendo Wang um dos poucos que aprendeu. Esses exercícios eram chamados zhan zhuang. A isso somou a sua experiência e conhecimento adquirido da interação com outros estilos e mudou o nome do estilo. Seu xingyiquan passou a ser chamado yiquan.

O motivo da mudança de nome era mais do que a diferença do xingyiquan de Wang para o de outros mestres. O nome xingyiquan significa literalmente punhos da forma (xing) e da intenção (yi). Wang quis conscientizar os praticantes de que é preciso tirar o foco da aparência externa. Ele quis enfatizar a importância do aspecto mental na sua arte marcial. Assim ele a nomeou yiquan, “punhos da intenção” (yi significa mente e também intenção). Nessa arte se desenvolve a força por meio da atividade mental. Embora isso pareça abstrato, você perceberá que é algo muito lógico. E tem a ver com todas as artes marciais.

Intenção Dispersa, Corpo Disperso

Desenvolver a força pela atividade mental pode soar como algo fantasioso, como mágica. Na verdade não é nada disso. Em seus livros, Wang escreve que a intenção é o comandante do corpo. Ele estava certo! O que acontece é que quando se tem determinada intenção, o corpo se organiza de acordo com ela. O seu cérebro dispara comandos para o seu corpo de acordo com a sua intenção.

O problema é que a intenção dispersa em várias intenções diferentes e isso é difícil de perceber. A mente fica dispersa entre a vontade de fazer o que tem que ser feito, a dúvida de se deve fazer uma coisa ou outra, o medo da falha e de suas consequências, a falta de confiança em si mesmo, etc. Isso acontece não só no combate, mas também no treino e afeta o corpo. Isso fica muito evidente no treino de corte com espada. Se você entendeu o final do parágrafo anterior, provavelmente entendeu qual é o ponto.

Com todas essas intenções diferentes, a mente quer várias coisas diferentes ao mesmo tempo e uma acaba atrapalhando a outra. Você quer avançar, mas também quer ficar no lugar sem fazer nada e também quer fugir. Assim o seu cérebro dispara comandos para os músculos fazerem todas essas coisas ao mesmo tempo. Ele dá comandos de avançar, de fugir e de ficar parado, assim as fibras musculares refletem cada uma das suas intenções contraditórias.

Os músculos então dispersam entre forças contraditórias. Então o corpo fica desorganizado. Sua intenção dispersa e seu corpo dispersa.

Treinando a Intenção

O problema é que essas intenções contraditórias são inconscientes, não é fácil perceber sua intenção dispersa. São precisos exercícios específicos para que seus reflexos mais sutis fiquem evidentes no corpo. Pela minha experiência não tenho dúvidas de que o zhan zhuang que se aprende no lao qigong é a melhor forma de reconhecê-los. Mas é possível praticar, com suas limitações, de outras formas também.

Ao praticar é preciso primeiro diminuir a velocidade. Treinar rápido sem antes ter desenvolvido minimamente a sua intenção não vai ajudar. Juntamente com isso é preciso dar comandos para que o corpo aja com a intenção desejada. Para isso a mente precisa estar focada, não se pode ter a intenção dispersa. É preciso ter a intenção “cheia”, total, isso é, você não pode ter dúvidas do que quer fazer. É preciso observar se os seus movimentos estão carregados com essa intenção desde o início até o fim. Não adianta simplesmente executar os movimentos, é preciso guiá-los pela intenção.

Durante o treino, quando segurar o parceiro, faça com a intenção de quem quer realmente controlá-lo. Ataque, defenda, faça torções, chutes, socos como quem realmente tem a intenção de fazê-los. Não faça nada com dúvidas e não ataque o seu parceiro no modo automático. Se vai segurar o punho do parceiro para que ele treine uma torção, é preciso estar consciente. Não mantenha o olhar disperso, não deixe o corpo largado. Segure e olhe para ele como quem tem a intenção de controlar. Ao torcer, não tenha dúvidas de que quer torcer.

Cuidados ao Praticar em Dupla

Só tome cuidado ao fazer. É importante compreender que intenção não é força, então isso não significa fazer com toda a força. Nem velocidade. A intenção não é uma capacidade física, mas uma atitude mental. Então você pode treinar a sua intenção mesmo fazendo lentamente. A intenção precisa ser tensa, mas o corpo precisa estar relaxado. Se sua intenção dispersa, seu corpo dispersa, mas se a intenção é focada, o corpo é focado. Avance como quem só quer avançar, fuja como quem só quer fugir. Faça o que quer que seja com a intenção cheia, não há espaço para dúvidas.

Mantenha em mente que para desenvolver a sua intenção você não precisa e não deve machucar ninguém. Novamente: a intenção NÃO é uma capacidade física, é uma atitude mental.

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2 Comentários

  1. Humberto disse:

    Ótimo artigo , me ajudou muito obg

  2. Sidney disse:

    Muito Obrigado, percebi que no meu treino estou muito disperso e antes de lero artigo não havia percebido isso.