hqdefault (1)Hoje em dia é comum avaliar a qualidade de uma escola pelos resultados em competições e muitas pessoas acreditam que o número de títulos é parâmetro para se medir o conhecimento e habilidade em artes marciais de alguém. Grande parte disso se dá porque vivemos na era do esporte espetáculo ou de alto rendimento, como também é chamado. Por isso o sucesso de competições de MMA, boxe, taekwondo, entre muitas outras é possível, permitindo a massificação deste tipo de prática de luta, sendo predominante entre atores e espectadores a visão de que esta é a verdadeira prática de artes marciais. Outro motivo para isso é que a predominância das armas brancas e mãos livres em situações de guerra e sobrevivência não é algo que tenha sido vivido por esta geração.

Entretanto a competição pouco tem a ver com o aprendizado a partir de um determinado ponto. Na competição não vence o melhor ou quem sabe mais, mas sim quem está melhor preparado, assim aprende-se até adquirir os elementos que podem garantir a vitória, pois numa sociedade em que o resultado é o que importa e quanto antes melhor, o resto não importa.
Para ilustrar o que foi exposto acima utilizo a ginástica artística como exemplo. Nesta modalidade existem 5 ou 6 mil movimentos, somando-se os aparelhos femininos e masculinos, só que um atleta aprende em torno de 300, as mulheres pouco ou nada aprendem dos aparelhos dos homens e vice-versa. Existem movimentos muito bonitos, mas que não tem muito valor agregado em competições, então eles não são transmitidos ou enfatizados. Trazendo um exemplo mais próximo de possíveis leitores deste blog temos o wushu moderno. No taolu, exatamente como acontece na ginástica artística, existem movimentos deixados de lado porque, por mais difíceis que sejam, não causam muito boa impressão nos árbitros. Um exemplo: uma rasteira de frente tem o mesmo grau de dificuldade que vários saltos, mas não impressionam tanto quanto estes, por isso não se vê esse movimento nas competições, excetuando-se as rotinas compulsórias, que muito provavelmente são as responsáveis por este movimento não ter sumido do currículo moderno. Mas aprende-se o suficiente para estas formas, não havendo necessidade e até interesse por parte de técnicos e atletas de desenvolver o 540° e 720°.
Já pensando em modalidades de combate me mantenho no exemplo do wushu moderno, recorrendo ao sanda. Nesta modalidade dificilmente se pontua com golpes de mão, por isso não é necessário aprender a socar direito e como qualquer soco vale esse pode ser um dos motivos pelo qual dificilmente se pontua com eles. Muitos chutes poderiam ser utilizados, mas não o são porque pressionados pela exigência do resultado atletas e técnicos optam por aquilo que é mais fácil, que pode garantir uma vitória com mais facilidade. Desse modo se perde cada vez mais em conteúdo, fazendo com que as modalidades sejam resumidas a um pequeno conjunto de técnicas executadas bem o suficiente penas para conquistar uma vitória, enquanto sobra uma defasagem motora em outros movimentos e habilidades. É claro que uma boa iniciação garante maior desenvolvimento do futuro atleta, mas para que a iniciação seja boa o aluno deve vivenciar uma enorme gama de movimentos até atingir a idade da especialização, o que evita a defasagem motora. Mas o que acontece depois disso? O atleta não exercita mais aqueles movimentos de antes, aperfeiçoando apenas aquilo que será utilizado na competição. Só que na arte marcial o aprendizado leva muito mais tempo do que é necessário no esporte de combate que, tipicamente um produto da sociedade capitalista, não pode esperar todo este tempo.
Concluo este texto com a afirmação de que a arte marcial é um estudo para toda a vida e para justificá-la lanço mão de uma frase encontrada no livro “A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen”: “o caminho até a meta é incomensurável. Para ele nada significam semanas, meses, anos.” Eu já fui atleta um dia e deixei de ser, entre outros motivos, quando percebi a verdade do que acabo de escrever. Àqueles que assim como eu anseiam pelo verdadeiro conhecimento em artes marciais eu aconselho a não desperdiçar o seu precioso tempo de estudo participando de competições.

Desejo a todos um bom aprendizado!

“Eu que já não sou assim
muito de ganhar
junto as mãos ao meu redor
e faço o melhor que sou capaz
só pra viver em paz”
Los Hermanos – O vencedor

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