Você Não É a Sua História:
Uma Lição do Dao De Jing Sobre Como Não Se
Deixar Afetar Pelas Circunstâncias da Vida

Nossa história de vida carrega muitas memórias conscientes ou inconscientes de situações de sofrimento e frustração. Como nosso senso de identidade está ligado à nossa história, essas situações nos fazem sofrer. Mas você não é a sua história e por isso pode diminuir esse sofrimento e a ansiedade que suas experiências ruins vem te causando.

Essa é a lição do poema 7 do Dao De Jing que eu te trago nesse artigo. E quero te contar como você pode perceber essa verdade na prática e assim diminuir a sua ansiedade.

Todos gostaríamos de não ter que passar por dificuldades. Como isso não é possível, o melhor que podemos fazer é aprender como superar problemas e não se deixar afetar pelos momentos de crise.

Desde o início do blog eu tenho vontade de comentar os poemas do Dao De Jing (leia Tao Te Ching). Interpretar esse livro por si só já é uma tarefa difícil e escrever sobre ele de forma clara para um público é um desafio ainda maior.

Mas conversando com um grande amigo e aluno sobre uma situação desagradável que ele tinha que lidar, discutimos alguns trechos do Dao De Jing. Assim, finalmente consegui ter clareza suficiente para começar a falar sobre esse livro aqui.

Eu reescrevi o sétimo poema do livro com as minhas próprias palavras para tentar deixar mais claro, sem perder o sentido. Por isso, não é uma tradução, mas a minha interpretação baseada em duas traduções e na minha prática de meditação e qigong. Se quer uma tradução do Dao De Jing, eu indico esta do Chiu Yi Chih.

Então vamos à discussão, que você também pode acompanhar no vídeo abaixo.

A metáfora do Céu e da Terra para superar as adversidades e parar de sofrer

O Céu e a Terra tem longa duração.
Se tem longa duração, é porque não consideram sua própria existência.
Sem considerar sua própria existência, podem existir indefinidamente.
Por isso, o sábio não considera a si mesmo
E assim, sua ausência parece presença.
Como não vive para si mesmo, alcança a vida plena que nunca perseguiu.

Laozi usa a metátora do céu e da terra (o planeta), que perduram por tempo indeterminado. Existem há bilhões de anos e devem continuar a existir por mais muitos bilhões.

A metáfora que Laozi trás é de que o céu e a terra podem existir por tanto tempo porque não se consideram vivos ou mortos. Do ponto de vista do céu e da terra eles não existem ou deixarão de existir. Por isso, não tem preocupações e finalidades egoístas que encurtem sua vida.

Não sabem nada sobre o dia de ontem ou amanhã. Só seguem fazendo seus movimentos de transformação do dia em noite e da noite em dia, sem diferenciar um dia do outro.

Farão esse movimento enquanto tiverem que fazer e quando não tiverem mais, simplesmente vão parar e deixar de existir. Sem remorso, sem culpa, nem arrependimento. Tudo é uma continuidade, tudo é transformação.

Eles não se identificam com uma história de vida e assim não criam um conceito sobre si mesmos. Não se preocupam com a sua trajetória desde o seu nascimento e nem com o dia que deixarão de existir, por isso podem existir por tanto tempo.

Não sabem nada sobre o passado e o futuro. Tudo que existe é o momento presente. Tudo que existe é o agora.

O ego é a história que contamos sobre nós mesmos

Se fossem como os humanos, o céru e a terra contariam uma história sobre si mesmos desde o dia do nascimento e seu planejamento até o dia de sua morte. Assim, surgiriam as preocupações que encurtariam sua vida.

A história que contamos sobre nós mesmos é criada pela nossa percepção e interpretação sobre as nossas experiências. O que significa que é uma versão da história, mas não a verdade.

Essa história forma o conceito que criamos sobre nós mesmos, a identidade que construímos. Esse conceito que formamos é o ego, é o pequeno ‘eu’ que acreditamos que somos.

O verdadeiro ‘Eu’ que temos que encontrar se quisermos alcançar a verdadeira felicidade é a negação daquilo que acreditamos ser ou não ser. Ele não tem existência ou inexistência, não teve nascimento e por isso não morre. É algo que transcende os limites do nascimento e morte, pois sempre esteve lá.

É a Consciência superior, unificada com o Tao, que não se sente uma entidade separada do universo e de tudo e todos que existem dentro dele.

Mas você não é a sua história

Para encontrar esse verdadeiro ‘Eu’, precisamos “matar” o ego. Porém, o que o ego mais tem medo é a morte. O próprio medo da morte é a origem do ego. Em outras palavras, se existe o medo da morte, existe ego.

Esse medo é o medo da morte da identidade. Não é o medo da morte literal, em primeiro lugar. O medo da morte literal só existe quando o ego tem medo da perda da identidade e isso tem até efeitos traumáticos no corpo. Para o ego, morrer é perder a identidade.

Quando você cria um conceito sobre si mesmo, você se identifica com seu passado e futuro e assim perde a conexão com o presente. Então confunde sua imagem de ‘eu’ com a sua história e experiência de vida.

É assim que surge o ego. Ele surge quando vivemos fora do presente, presos às nossas memórias do passado e fazendo projeções para o futuro. Portanto, é quando vivemos apegados à nossa história e à experiência de vida que constroem nossa identidade.

Você deve estar me questionando agora: “mas tudo que eu passei me trouxe até onde estou hoje”.

Sim, tudo o que você viveu te levou até onde você está agora. Mas você não é a sua história.

Se o céu e a terra pudessem criar um conceito sobre si mesmos eles diriam: “já passei pela era glacial, meteoro, extinção dos dinossauros, inúmeras guerras, superaquecimento, os humanos consomem meus recursos. Veja como a minha vida é difícil”. Ou entào “veja quanta coisa eu superei para chegar até aqui, eu não sou incrível?”

Isso seria motivo de grande ansiedade e angústia.

Por isso, se você já atravessou o rio, abandone a canoa

Sua história de vida e sua autoimagem são como uma canoa. Depois que você atravessa o rio, não precisa carregar a canoa com você. Afinal ela já fez a função dela, que era te levar para a outra margem.

Mas no nível de consciência comum, somos como alguém que depois de atravessar o rio carrega a canoa para todos os lugares como se a canoa fosse parte dele. É preciso deixar a canoa para trás e fazer uso dela apenas quando tiver que atravessar o rio.

Isso não significa que sua história de vida e sua identidade não tenham valor. Elas fazem parte da sua experiência na Terra, para o seu aprendizado e são necessárias para te situar no contexto de vida. Elas são importantes para a sua carreira profissional, por exemplo, onde ter um histórico do que você já fez faz diferença.

O problema é a gente se identificar com ela e achar que somos aquilo, perdendo a conexão com o todo. E essa ilusão de separação, de desconexão com o universo e com os outros é a origem do nosso sofrimento. Por isso, é importante ter sua história. Mas o mais importante é ter a consciência de que tudo aquilo aconteceu com você, mas não é você.

Portanto, se já atravessou o rio, deixa a canoa.

Perceba que o que te aconteceu, aconteceu com você, mas NÃO É você

De forma prática, você pode estar passando por uma situação difícil, como a perda do emprego, o fim de um relacionamento ou alguém que está tentando te prejudicar. A tendência é você se sentir afetado e você sofre por isso.

Isso acontece porque você faz um julgamento de valor sobre si mesmo e esse julgamento é baseado nessa situação. A sua autoestima cai porque esse julgamento cria um senso de identidade em que você se sente alguém inferior.

E quando você se sente inferior, você permite que as situações que te acontecem e outras pessoas tenham poder sobre você. Você começa a ter pensamentos negativos que tem um poder autodestrutivo muito grande, que podem até causar ansiedade e depressão.

Então nessas situações você precisa entender que você não é a sua história. Você não é o que te acontece. Superar os problemas e dificuldades sem ser arrastado por elas depende de conseguir aplicar isso na sua vida.

Você não é seus traumas, suas decepções, frustrações, os insultos e elogios que recebeu, nem seus sonhos e objetivos. Todas essas coisas passaram por você, passaram pela sua vida, mas não são você. São apenas coisas que aconteceram em determinado momento e ficaram para trás.

Se você não consegue distinguir tudo isso do que você realmente é, até seus sonhos te fazem sofrer. Você sofre com o sentimento de não conseguir alcançar o que quer e de perder o que conquistou.

Mas é o ego que busca tudo isso porque ele busca reconhecimento e aceitação. Nosso verdadeiro ‘Eu’, nossa consciência superior, não busca nada disso porque não precisa. Ele se satisfaz em si mesmo e alcança sem buscar. E quando não se comove se não alcança.

Entender não é suficiente. O verdadeiro entendimento vem através da prática

Por isso, precisamos aprender a deixar de buscar, pois alcançamos a verdadeira satisfação em nós mesmos quando paramos a busca. Dessa forma se atinge o que chamamos de ‘alcançar o Tao’ ou iluminação, que é o fim do sofrimento.

Não deixamos de sentir raiva, tristeza e frustração. Pelo contrário, somos capazes de sentir com mais intensidade e expressar de forma mais saudável. Então não sofremos mais com isso porque não temos mais medo das nossas emoções.

Mas apesar disso ser fácil de entender, a compreensão verdadeira só vem quando você compreende na prática.

É preciso um caminho para perceber essa verdade com todo o seu corpo e mente. Senão, você fica apenas na teoria e isso não vai fazer diferença na sua vida.

Lao Qigong é uma prática de meditação em movimento das artes marciais e filosofia que eu recomendo para quem quer experimentar essa verdade através do corpo. Só através dessa experiência você consegue enfrentar e superar problemas sem perder sua saúde mental.

Então, se você quer ter essa compreensão que pode diminuir sua ansiedade e sofrimento, mas acha que a meditação tradicional não é para você, clique aqui e conheça o Lao Qigong.