Como muitos sabem, muitas artes marciais asiáticas foram influenciadas por filosofias como o taoismo, budismo e confucionismo, entre outras. Já falei aqui no blog que filosofia nas artes marciais não é simplesmente um sistema de pensamento, mas um modo de pensar e fazer o movimento. Por isso sempre digo que existe nas artes marciais algo que pode ser chamado de filosofia de movimento. Então neste artigo vou falar sobre um conceito budista chamado vacuidade e como podemos utilizar a vacuidade nas artes marciais.
O Conceito de Vacuidade do Budismo
O budismo é uma filosofia que dá uma grande ênfase à compreensão correta das coisas e ao domínio da mente. Para o budismo a compreensão correta ou não das coisas depende de se dominamos a nossa mente ou se somos dominados por ela. A condição comum das pessoas é de serem dominadas pela própria mente a maior parte do tempo, vivendo no automatismo. Pensamentos surgem na mente espontaneamente estimulando o surgimento de algumas emoções. Quando não temos o controle para decidir se prestamos atenção a estes pensamentos, somos levados por eles. Isso é a mente assumindo o controle da pessoa. Assim, passamos grande parte do tempo no modo automático, enxergando as coisas como a mente quer que a gente enxergue.
O conceito de vacuidade, que também pode ser chamado de potencial oculto, se relaciona diretamente com isso. Ele quer dizer que todas as coisas são vazias (vácuo) de significado. Ou seja, nada, absolutamente nada, possui uma qualidade inerente, as coisas são como são e nós lhe atribuímos o seu significado. Assim, nada é bom ou ruim, mas baseada na nossa própria experiência, nossa mente determina se algo é bom ou ruim. Uma pequena observação: alguma corrente filosófica ocidental também trás essa mesma ideia, mas a explicação budista é muito mais simples.
Mas enfim, se formos condicionados pela nossa mente, estaremos sujeitos a enxergar todas as coisas como ela determinar. Então, se ela determina que uma experiência é ruim, sempre enxergaremos aquilo como sendo ruim. Se ela determinar que algo é bom, sempre enxergaremos como sendo bom. O bom é que podemos aprender a aplicar a vacuidade nas artes marciais e modificar a maneira como enxergamos as coisas. E o combate.
Vacuidade nas Artes Marciais
Então como aplicamos a vacuidade nas artes marciais? Como isso pode me ajudar a desenvolver as minhas habilidades? Bom, vamos elucidar com uma situação prática para analisarmos. Imagine que você está num combate e o seu oponente te ataca com um chute. Se você foi ensinado pelo método de ensino normal, isso é, o mais “comum”, você vai procurar se defender do chute. Isso significa que sua mente foi treinada para enxergar esse chute como uma ameaça, como algo perigoso contra o qual precisa se proteger.
Mas você tem a possibilidade de enxergar esse chute de outra forma, só não sabe disso. Se você observar a situação, verá que durante o chute o adversário está com apenas um dos pés no chão. Isso representa uma oportunidade, pois estar com um pé fora do chão o torna mais fácil de ser derrubado! Então, você pode ser controlado pela mente e pensar “estou sendo atacado por um chute, preciso me defender”. Mas você também pode pensar “o oponente está com um pé fora do chão, posso derrubá-lo(a) com mais facilidade”.
Você pode estar com uma lança e pensar “meu adversário tem uma espada, se eu o mantiver longe, ele não terá defesa. Ou você pode estar com uma espada e pensar “meu adversário tem uma lança, se eu me aproximar ele não terá defesa”. Veja que a situação em si é vazia de significado, ninguém tem uma vantagem absoluta sobre o outro. Depende de como você enxerga. Seu adversário é mais forte e te ataca, mas você pode enxergar nisso uma oportunidade para utilizar a força dele contra ele mesmo. Você não vai deixar de enxergar o risco que o golpe oferece, mas irá enxergá-lo como um obstáculo a ser superado para aproveitar a oportunidade.
Como Treinar a Vacuidade nas Artes Marciais
Como foi visto acima, você pode enxergar tudo tanto como oportunidade quanto como ameaça. Isso depende de como seu método de treino condiciona sua mente a enxergar. Não existe uma arma que tem supremacia sobre todas as outras obrigatoriamente, depende da situação. Essa é a forma básica como você pode colocar em prática o conceito de vacuidade nas artes marciais. É preciso passar a enxergar no movimento do oponente uma oportunidade para obter o êxito. Mas isso não é simplesmente passar a pensar diferente, é preciso um método para isso.
O primeiro passo é entender que todas as coisas tem um potencial oculto para serem o que quisermos. Assim, para que o golpe do adversário passe a ser visto como uma oportunidade, é necessário imprimir uma marca mental que o faça ser percebido como tal. O segundo passo é arrumar um parceiro para estimular a impressão dessa nova marca. O estímulo então será algum tipo de golpe a ser combinado, um chute, soco ou mesmo um simples toque. Esse golpe deverá ser lento o suficiente para que o parceiro consiga responder ao movimento. Então a pessoa que recebe o golpe deverá se movimentar de forma que consiga tocar o corpo do parceiro durante sua execução.
Uma ótima maneira de começar a praticar é com esse exercício de esquiva. Ele pode ser modificado para ser feito com chutes, golpes de espada, bastão, agarramento… Você pode tocar o parceiro com os pés, com as mãos, enfim, depende da sua criatividade. O importante é fazer devagar e sem clima de competição, afinal o objetivo é ajudar o parceiro a conseguir realizar a tarefa. Fazendo isso você passará a enxergar o movimento do adversário como uma ferramenta a seu favor. E se for um pouco mais além, você poderá utilizar o princípio da vacuidade em qualquer área da sua vida.
Entendeu o que é a vacuidade? Ficou alguma dúvida? Escreva abaixo nos comentários e compartilhe com os seus amigos!
Gostei de saber desse conceito. Acredito que ele fará o que é mesmo papel dos conceitos, ter com o que pensar, aquilo que andava por perto como intuição, impressão… não para ter uma certeza, mas para movimentar. outros pensamentos, ou, como você notou, outros movimentos. Bom acompanhar você, Jerônimo!