Sabe quando você vê um vídeo de uma criança praticando artes marciais tão bem quanto um adulto e diz “meu filho vai ser assim”? Saiba que isso tem um nome: especialização precoce. Praticantes de artes marciais costumam achar isso o máximo, mas gera diversos problemas que serão discutidos neste artigo.
Portanto neste artigo você saberá como evitar a especialização precoce nas artes marciais. Dessa forma você saberá como aumentar a retenção de crianças na sua academia e evitar que seus filhos abandonem as artes marciais.
O Que É Especialização Precoce
Especialização é um processo de aprofundamento dos conhecimentos por um indivíduo numa área específica (BARBANTI, 2003, citado por OLIVEIRA et al., 2007). Por isso, ela é inevitável para quem quer atingir o alto nível em uma modalidade, seja ela uma arte marcial, esporte ou não. Porém, a especialização deve acontecer no período apropriado.
Mas como o próprio nome diz, especialização precoce é o processo de se especializar em alguma coisa antes da hora certa. Esse é um fenômeno muito comum e muito estudado na Educação Física, que afeta as crianças. Embora seja um conceito geralmente associado aos esportes, ele também se estende para outras atividades como música e dança.
A especialização precoce pode gerar diversas consequências negativas que levam ao abandono precoce da modalidade. A rigidez, monotonia e cargas excessivas dos treinos limitam o desenvolvimento motor da criança. Além disso podem gerar lesões e resultados negativos persistentes. Isso faz com que crianças e jovens com grande potencial abandonem a modalidade antes de atingi-lo.
Um estudo feito com ex-nadadores verificou que 27% abandonou precocemente a modalidade por resultados negativos persistentes. Houve ainda 18% de abandono por lesão e 5% por falta de integração social (OLIVEIRA et al., 2007). Por outro lado, um estudo realizado com 52 atletas profissionais de vôlei demonstrou que
quando os treinamentos com foco nos resultados competitivos se iniciam após ou durante a puberdade há maiores chances de sucesso esportivo em comparação à especialização esportiva precoce (MARQUES et al., 2014).
Um exemplo de especialização precoce pode ser conferido no vídeo abaixo. É grande a probabilidade de este garoto abandonar as artes marciais dentro de alguns anos.
Como a Especialização Precoce Acontece
A especialização precoce acontece quando as aulas para crianças são feitas nos mesmos moldes que as aulas para adultos. Normalmente as aulas de artes marciais para crianças possuem características de treinamento e não de aprendizado. Existe uma cobrança e preocupação muito grande com a execução correta da técnica para que a criança “não crie vícios no movimento errado”.
Acontece que treinamento é o momento de aperfeiçoar e aprofundar, diferente do aprendizado, que é um momento de aquisição de habilidades e não aprofundamento. A criança precisa do aprendizado e não do treinamento. Primeiro porque treinamento exige muita repetição, o que exige maturidade e para a criança é monótono. Segundo porque o corpo da criança ainda não está preparado, pois as estruturas corporais ainda não estão formadas para isso e as capacidades físicas fundamentais ainda não foram desenvolvidas.
Como consequência disso, a criança se torna mais suscetível a contrair lesões mais cedo ou mais tarde. Além disso, se especializar exige certo grau de exclusividade em uma única modalidade. Isso priva a criança de vivenciar outras modalidades e desenvolver habilidades importantes. Assim, ela cresce com as habilidades muito desenvolvidas naquela arte marcial, mas com defasagem motora em outras habilidades.
Abandono Precoce
Não são todas as crianças que vão contrair lesões ou abandonar a modalidade por causa da especialização precoce. Algumas delas permanecem por muito tempo, mesmo tendo se especializado na infância. Afinal, a permanência ou abandono precoce da modalidade tem a ver com vários outros fatores, inclusive sociais, culturais e emocionais.
A relevância de determinada modalidade em um contexto cultural pode fazer com que crianças peguem gosto por ela. Assim, mesmo que se especializem cedo, elas podem praticar por anos e até se destacar na vida adulta. Isso acontece muitas vezes com o wushu (kung fu) na China ou o Muay Thai na Tailândia. Só que isso não elimina a probabilidade mais elevada de lesão e a defasagem motora em outras habilidades.
Fatores sociais, como os pais praticarem a mesma modalidade podem estimular a criança a gostar da modalidade. Por outro lado, pode também gerar pressão e stress sobre a criança no sentido de se especializar precocemente. Os dois casos geram especialização precoce, porém no primeiro a criança pode permanecer por anos e talvez contrair lesões. No segundo ela pode abandonar a modalidade pelo stress psicológico causado pela pressão dos pais.
Outros fatores emocionais, como a frustração por não ter habilidades suficientes para ser tão bons quanto outros colegas podem desestimular a criança e levá-la a adquirir um trauma com a modalidade. Inclusive, comparar as crianças é um fator que gera muita frustração, podendo levá-las a abandonar a modalidade.
De todo modo, mesmo que algumas permaneçam por anos na modalidade, a maioria desiste em pouco tempo. Basta observar a rotatividade de alunos nas academias para verificar esse fato. Quantas daquelas crianças ainda serão vistas nas aulas daqui a três, dois ou mesmo um ano?
Clique na imagem e entenda porque se deve evitar a comparação entre crianças nas aulas de artes marciais.
Como Evitar a Especialização Precoce nas Artes Marciais
O objetivo da prática de atividades físicas, sejam artes marciais ou não, na infância não é o de gerar resultados competitivos ou alto nível. O importante é que as crianças adquiram gosto pela modalidade, as habilidades básicas dela e desenvolvam o corpo e as capacidades físicas necessárias para que possam começar a se especializar na adolescência.
Portanto, a aula de artes marciais para crianças precisa ser divertida em primeiro lugar. Não se pode deixar a criança esperando. Uma criança esperando sentada encontra algo mais interessante para fazer em questão de segundos. É preciso que a aula a mantenha entretida o tempo todo, assim não se perde o controle da turma.
Também épreciso quebrar a monotonia das repetições e estimular mais a criatividade e o improviso por meio de situações imprevisíveis. É necessário também lançar mão de jogos, pois as crianças aprendem melhor por meio da brincadeira.
Entretanto, não basta que seja uma brincadeira qualquer no final da aula depois que a criança “já treinou os golpes”. As brincadeiras não devem ser descontextualizadas da luta, caso contrário, a criança chega na aula perguntando se vai ter brincadeira. Essa é uma situação muito comum que mostra que a criança está mais interessada no jogo que na luta em si.
Por isso é preciso que o aprendizado da luta e de suas habilidades se transforme em jogo. É preciso que haja desafio, experimentação e imprevisibilidade. Não se pode ter preocupação com certo e errado. Ao invés disso é preciso estimular a imaginação para encontrar soluções para problemas da luta. Então para saber como dar uma aula assim, mantendo a criança entretida e pedindo mais, clique aqui.
Referências
BARBANTI, V. J. Dicionário de Educação Física e Esporte. In: OLIVEIRA, G. S.; ARAÚJO JR., I. P.; ANDRIES JR., O.; NETO, J. B.; CIELO, F. L. A relação entre a especialização precoce e o abandono prematuro da natação. Movimento & Percepção, v. 8, n. 11, 2017, p. 307-322.
MARQUES, R. F. R.; LIMA C. P.; MORAES, C. NUNOMURA, M.; SIMÕES, E. C. Formação de jogadores profissionais de voleibol: relações entre atletas de elite e a especialização precoce. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 2014, p. 293-304.
OLIVEIRA, G. S.; ARAÚJO JR., I. P.; ANDRIES JR., O.; NETO, J. B.; CIELO, F. L. A relação entre a especialização precoce e o abandono prematuro da natação. Movimento & Percepção, v. 8, n. 11, 2017, p. 307-322.
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