Um dos chutes que define a identidade de pernas do sanda e das artes marciais chinesas é a escora lateral. É também muito utilizada no taekwondo, umas das modalidades mais próximas do sanda em termos de chutes.

Neste artigo vamos analisar como esse chute realmente acontece na luta e porque na maioria das vezes é diferente de como se treina. Para isso, vamos utilizar três lutas do 14° campeonato mundial de wushu, que ocorreu na Rússia em 2017.

A análise dos vídeos foi feito com o aplicativo kinovea. Este aplicativo para análise esportiva é gratuito e pode ser baixado no site oficial.

Existem Várias Técnicas (Modos de Fazer) a Escora Lateral

escora lateral

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Quando falamos de luta, falamos de uma atividade dinâmica e imprevisível, onde é preciso se adaptar ao contexto. Por isso temos que levar esses fatores em conta quando vamos pensar e treinar a técnica.

Todo golpe precisa se adaptar a contextos específicos e situações momentâneas de luta. Dessa forma entendemos que não existe uma única técnica para um mesmo golpe. Portanto, existem diversas técnicas diferentes de escora lateral, bem como de quaisquer outros golpes. Tudo depende do contexto.

Devemos então analisar as lutas utilizando nossa consciência corporal, experiência, conhecimento  e tecnologia para descobrir quais técnicas, isso é, modos de fazer, tem a maior probabilidade de ocorrer durante a luta. Depois disso, precisamos selecionar aquelas que mais ocorrem para incluir no treinamento. Treinar uma técnica que ocorre com pouca frequência ao invés das que acontecem mais vezes não nos trás os melhores resultados.

Qual é a Técnica de Escora Lateral Mais Frequente em Luta

Uma das técnicas mais treinadas de escora lateral é flexionando bem o quadril, levando o joelho bem próximo ao peito e trazendo o pé para trás antes de chutar. Entretanto, embora seja utilizada, não é a técnica que ocorre com mais frequência em luta.

Para verificar esse fato, vamos analisar trechos de três lutas de sanda do mundial de wushu de 2017. O primeiro vídeo é da categoria feminina até 60 kg entre China e Grécia. Vamos analisar os chutes da lutadora da China. No segundo exemplo, masculino até 65 kg, entre Coreia do Sul e Vietnã, vamos analisar o atleta coreano. E nos 65 kg masculino entre Rússia e China, vamos observar o atleta chinês.

Todos os exemplos podem ser vistos com mais detalhes no vídeo abaixo. É importante deixar claro que dependendo do ângulo que se vê o chute, os ângulos de flexão das articulações são distorcidos, podendo ser maiores ou menores do que a realidade.

Selecionei as imagens mais nítidas vistas das melhores posições. Todas elas (com uma exceção) são do momento, que foi possível observar e capturar no vídeo, de flexão máxima das articulações antes do chute.

Exemplo 1: China vs. Grécia, 60 Kg Feminino

Neste primeiro exemplo vemos que durante a flexão máxima a atleta chinesa não leva o joelho tão próximo do peito quanto se costuma treinar. Da mesma forma o joelho não é muito flexionado. Os ângulos de flexão das duas articulações é de aproximadamente 100° – 98° e 99° respectivamente.

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Já o segundo exemplo é um pouco atípico. A imagem é de uma escora que foi executada na sequência de uma escora anterior. Só que a atleta só pisou o chão depois da segunda escora, portanto o chute da imagem não começou com o pé no chão.

Esse chute foi executado duas vezes na luta. Nas duas os ângulos de flexão do quadril e joelho foram próximos dos 60°. Isso aponta para o fato de que na falta de tempo e espaço foi necessário levar o joelho para mais perto do peito para gerar força. Isso provavelmente ocorreu porque o chute partiu de uma posição com o pé bem elevado e fora do chão. Nesta imagem a flexão do quadril é por volta de 50° e do joelho de 65°.

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No terceiro exemplo o quadril é flexionado a 62° e o joelho a 53°. Durante o impacto a atleta é obrigada a dar um sobrepasso para trás com o pé de apoio.

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Exemplo 2: Coreia do Sul vs. Vietnã, 65 Kg Masculino

Na primeira imagem vemos o joelho bem distante do tórax. O ângulo máximo que o quadril chegou a flexionar para executar esta escora foi de 89°. Já o do joelho foi de 116°. Na continuidade da ação o atleta não completou o chute, já que o adversário saiu do seu alcance.

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Já na imagem a seguir o atleta coreano flexionou o quadril a 57°, aproximando bem o joelho do tórax. O joelho também foi bastante flexionado, a 64°. Porém, na sequência ele é empurrado para trás percorrendo uma distância grande. Assim, ele termina por sair do ringue.

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Exemplo 3: Rússiva vs. China, 65 Kg Masculino

A primeira imagem mostra claramente o joelho bem distante do peito. O ângulo do quadril em relação ao ombro esquerdo, de 106°, pode estar um pouco exagerado pelo ângulo de visão. Já o ângulo do joelho parece ser em torno de 61°, embora a imagem não seja tão nítida.

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A segunda imagem mostra o joelho muito distante do tórax. O quadril flexiona a 145° e o joelho a 95°. Esses são os graus máximos de flexão, portanto o chute continua dessa posição para frente.

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O último exemplo é o único que mostra o grau de flexão no momento do impacto ao invés da flexão máxima. Nesta imagem vemos que as articulações do quadril não atingiram o grau de extensão máxima no momento do impacto. O ângulo do joelho é de 125° e do quadril aproximadamente 93° pelo ângulo de visão. Na sequência o atleta russo é derrubado enquanto o chinês é deslocado para trás.

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Qual é a Melhor Maneira Executar a Escora Lateral

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Pelos exemplos acima vemos podemos observar que não existe uma única técnica correta. Existem sim técnicas incorretas mecanicamente, mas existem muitos modos corretos de execução. Qual vai ser utilizado depende do contexto. Por isso a escora lateral pode ser executada de várias maneiras.

Portanto, o melhor modo de fazer é aquele que cumpre o objetivo no momento específico. Ou seja, é o que atinge o alvo, no menor tempo possível, com a maior potência e menor gasto de energia. Em outras palavras, é o mais efetivo dentro daquela situação específica.

Porém, pudemos observar que quando se tem pouco espaço é preciso flexionar mais as articulações. Só que nesses casos geralmente quem executa o chute é empurrado para trás. Isso torna mais fácil ser derrubado ou, como no caso do atleta coreano, ser tirado do ringue.

Foram mostrados três exemplos em que os atletas são empurrados para trás porque não foi possível atingir o que seria o melhor ângulo de extensão. Isso ficou bem evidente na última imagem do atleta chinês. Então para conseguir atingir esse ângulo, inevitavelmente quem chuta precisa ir para trás para conseguir estender as articulações. Por isso há uma vantagem em conseguir atingir o alvo com as articulações mais estendidas, mas nem sempre é possível.

Como Treinar a Escora Lateral

A análise de vídeo mostra que a maioria das escoras laterais executadas são com os ângulos das articulações em torno dos 100°. Assim, a realidade da luta mostra que o joelho não costuma chegar tão próximo do peito e nem flexionar de mais.

Isso é o corpo mostrando que esses são os melhores ângulos para gerar força gastando menos energia. O cérebro faz uma estimativa de distância e tempo e envia essa informação até os membros. Apenas quando o alvo está muito próximo é preciso flexionar mais, por volta dos 60°. É uma questão de contexto. Mas nesse caso, geralmente quem executa o chute também é deslocado para trás.

Por isso, nos treinos precisamos enfatizar a escora lateral com o joelho mais distante do peito. Ao mesmo tempo, precisamos treinar este chute com deslocamento para trás no momento do impacto, pois vimos que acontece frequentemente na luta. Se você quiser exercícios para treinar seus chutes dentro de contextos específicos de luta, veja aqui.

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2 Comentários

  1. Érik Souza disse:

    Muito legal o artigo e o vídeo, parabéns!!! Acho que também é importante analisarmos a escora quando atacamos ou quando defendemos. Quando usamos o chute para defender e mais fácil de darmos o passo para trás logo após a escora. Quando atacamos temos a oportunidade de empurrar ou até mesmo derrubar o oponente. Outro fator interessante e observarmos se o oponente tem facilidade em segurar a perna quando executamos o escora, pois isso facilitaria o trabalho dele de aplicar uma queda ou de empurrar para fora do leitai. Me corrija se eu estiver equivocado Professor Jerônimo, mas acho que é isso. Abraço.

    • Na verdade, o que faz o corpo ser empurrado para trás é uma combinação de dois fatores: o primeiro é flexionar de mais as articulações, que faz com que o corpo funcione como uma mola, que vai para trás porque é o lado onde não tem resistência (para frente tem o corpo do adversário oferecendo resistência). Quando se flexiona de mais as articulações, a força gerada pelo pé de apoio no contato com o solo não chega no outro pé. O segundo fator é a inércia do adversário. Se o adversário estiver indo de encontro, então o efeito mola te joga para trás. Já se o adversário estiver indo para trás, quem aplica o chute não vai ser deslocado para trás. Se você observar de novo aquela escora que a chinesa aplica na sequência de outra, sem por o pé no chão entre elas, ele flexiona bem, mas não é deslocada para trás porque a adversária já está se deslocando para trás. Então a chinesa não é deslocada porque tanto a força do chute quanto o deslocamento da grega estão no mesmo sentido. Então isso tudo independe de aplicar o chute atacando ou defendendo. O que importa mesmo é o deslocamento do adversário, esteja você usando a escora lateral para atacar ou defender.

      Sobre derrubar o adversário com a escora lateral, isso costuma acontecer quando usamos para defender e não para atacar. O adversário avança para chutar e vem de encontro com um pé fora do chão. Dá pra ver bem isso na última escora do chinês, em que ele derruba o russo. Isso acontece bastante. Eu derrubei meu adversário assim em uma luta minha desse ano (essa luta tá no meu artigo de retorno ao sanda, se você não viu e essa escora acontece aos 2min38s de vídeo) e já fui assim também na semifinal do mundial de 2009 (essa luta está no meu artigo recente sobre a minha primeira derrota no sanda, aos 4min43s de vídeo).

      Sobre o adversário ter facilidade para segurar a perna, no sanda é preciso ter muita cautela pra chutar justamente por causa disso. Chutar basicamente é dar ponto pro adversário, principalmente contra adversários de alto nível. Contra China, Rússica, Vietnã, Filipinas, Coreia do Sul, Indonésia, Irá chutar = cair. Tem que chutar só quando tem certeza que o adversário não vai conseguir pegar, porque segurar o chute do adversário tá praticamente no DNA do lutador de sanda.