No ano de 2016 se completam 400 anos da publicação de um manual chinês de artes marciais que redefiniu padrões. Publicado por Cheng Zong You pela primeira vez em 1616, Dandao Fa Xuan é um livro de técnicas de sabre para duas mãos. Sua importância vem do fato de ser um manual que redefiniu a forma como manuais de artes marciais eram escritos. Em 1621 ele foi integrado a um livro de três volumes chamado Geng Yusheng Ji (Artes Marciais Depois do Trabalho no Campo), onde Cheng escreve ainda sobre lança, escudo e besta.

O Autor – Cheng Zong You

Cheng Zong You vinha de uma família de mercantes da província de Anhui, numa época em que era costume que os filhos seguissem o ofício dos pais. Porém, ele tinha interesse em artes marciais, fato que o levou, em uma de suas viagens mercantes, ao Templo Shaolin. Ali ele decidiu permanecer por algum tempo, onde aprendeu com dois monges, Hong Ji e Hong Chuan, o bastão e a lança. Mais tarde, Cheng registrou os ensinamentos que recebeu no primeiro livro a ser publicado sobre as artes marciais do Templo Shaolin.

Dandao Fa Xuan foi um manual inovador para a época. Até aquele momento, os manuais eram escritos de forma poética em linguagem clássica, sendo de difícil interpretação. Para interpretar e compreender um manual de um determinado sistema, era necessário ser um estudante avançado do sistema em questão. Porém, com este livro, Cheng Zong You reinventou a maneira de escrever manuais de artes marciais. Ao invés de escritas em forma poética, as técnicas foram descritas de forma clara, passo a passo, direto ao ponto. Este foi também o primeiro manual com ilustrações das posturas e o primeiro a registrar uma forma. Assim, um novo padrão foi adotado no registro de técnicas.

O Uso do Dandao

Os sabres para duas mãos tem uma longa história nas artes marciais chinesas com períodos de ascensão e queda. Tendo caído em desuso, este tipo de arma retornou com força na dinastia Ming. O motivo para tal pode ter sido a necessidade dos soldados de infantaria enfrentarem inimigos montados, os mongóis e manchus. Sabres de empunhadura dupla tinham um longo alcance e tinha mais possibilidades de uso do que outras armas. Isso possibilitava que soldados de infantaria enfrentassem adversários montados, os derrubssem de seus cavalos e combatessem outros tipos de armas. Hoje em dia, os sabres de empunhadura dupla são conhecidos como miaodao, mas na época eram chamados de dandao.

O dandao era uma arma destinada à guerra, portanto não era utilizado por civis e não era encontrado na vida diária. Mesmo sendo utilizado contra diversas armas, as técnicas registradas no manual visam o enfrentamento de um lanceiro. A lança possui uma grande vantagem em relação ao sabre por conta do seu maior alcance. Por este motivo, os movimentos começam com uma brecha, um convite para que o adversário ataque. O portador do sabre então defende o ataque do lanceiro e se aproxima para tirar proveito da distância curta, situação de desvantagem para a lança. Contra armas mais curtas não se permite que o adversário ataque primeiro, pois sua aproximação coloca o dandao numa distância em que ele é ineficaz.

Este sabre também foi introduzido na Coreia, onde é chamado ssang soo do, tendo um capítulo dedicado a ele registrado no Muye Dobo Tongji.

Dandao Fa Xuan

Clique aqui e conheça o Muye Dobo Tongji, o manual militar coreano de 1790.

Design e Fabricação

O design do dandao era no estilo japonês. Era um sabre bastante grande, de 1,5m a 1,6m de comprimento, chegando a ter uma lâmina de 1,22m e empunhadura de 38cm. Possuía as costas (lado oposto ao fio) grossas para que fosse robusto e forte, porém era uma arma leve. O aço era muito refinado e, portanto, difícil de enferrujar. Seu polimento era tão fino que, nas palavras do autor, brilhava com um espelho. Havia um modelo menor deste sabre para aqueles que o utilizavam em conjunto com a besta. Possuía por volta de 98,2cm (3 pés e 7 polegadas), sendo 66,5cm de lâmina e 28,8cm de empunhadura. Cheng escreve que este sabre era incomparável em relação aos outros.

As 34 Posturas do Dandao Fa Xuan

Dandao Fa Xuan

O Dandao Fa Xuan possui 34 posturas. A primeira parte do livro descreve 22 posturas e suas aplicações, sendo que duas delas ilustram o arremesso de faca.O autor afirma que não aprendeu os nomes das posturas, portanto elas são nomeadas de acordo com o que se parecem. Cheng recomenda o treino com um sabre longo e pesado. Já no combate contra um inimigo, é recomendada a utilização do sabre curto com a besta, por ser mais leve e rápido. Hoje, com os conhecimentos do desenvolvimento motor, é possível questionar os motivos para se utilizar um sabre longo e pesado para treino. Entretanto, é preciso praticar seguindo a orientação do livro para entender se há outro motivo para tal. Na imagem ao lado são vistos o arremesso de faca e a besta na cintura.

As 12 posturas restantes também possuem as aplicações descritas, mas são posturas adicionais incluídas para a execução da forma. Nesta parte do manual, as posturas são desenhadas sem a besta. A forma foi criada para praticar a mudança de um movimento para outro. Isso acontece num combate contra múltiplos oponentes, que é a finalidade do método. Como existem muitas posturas, o autor recomenda um método flexível para treiná-la. Se não for suficientemente forte e o sabre for pesado, o indivíduo deve escutar o seu corpo e dividi-la em partes se for necessário.

Origem do Dandao Fa Xuan

Cheng Zong You aprendeu as técnicas do Dandao Fa Xuan com Liu Yunfeng. Liu não tinha reservas para ensinar, ele transmitia simplesmente tudo o que sabia. Segundo Cheng, havia na época, na prefeitura de Bozhou, um homem muito famoso tanto no sul quando no norte pelas suas habilidades, conhecido como Guo “Cinco Facas”. Cheng escreve que pessoalmente visitou Guo para comparar sua habilidade com a de seu professor Liu. O que ele pode constatar foi que a habilidade de Liu era muito superior à de Guo.

Aí é que vem a grande surpresa, o inimaginável. Sabe de quem Liu Yunfeng aprendeu esse método de combate? Dos japoneses! Sabe-se que naquela época os piratas japoneses atacavam frequentemente o sul da China e o norte da Coreia (cito bastante esse fato aqui no blog). Se pararmos para pensar, por qual motivo um pirata japonês iria transmitir o seu conhecimento para um nativo chinês, ou seja, para uma vítima? Além disso, como foi citado no parágrafo anterior, Cheng descreve Liu como possuidor de uma habilidade magnífica. Mas para atingir aquele nível, ele deve ter investido muito tempo com um professor muito experiente no sistema.

Dandao Fa Xuan

Conheça o filme God of War, que conta sobre as batalhas do general Qi Jiguang contra os piratas japoneses.

A Hipótese do Pirata

Conforme Scott M. Rodell, tradutor de uma das versões para o inglês, a única explicação para isso seria a de que Liu, como muitos outros chineses, teria se juntado aos piratas. Talvez este tenha sido o motivo pelo qual Cheng quase não diz nada sobre Liu no Dandao Fa Xuan. O pouco que ele diz é que ele aprendeu com os japoneses, ensinava sem reservas e que era muito hábil. Ponto.

Porém, eu levanto outra hipótese. Não seria possível que tal japonês tivesse desistido da vida de pirata e resolvido ficar na China? Não poderia Liu ter aprendido com alguém que não fosse pirata?

Bom, logo no primeiro parágrafo do Dandao Fa Xuan, Cheng escreve que esta técnica foi retirada dos “escravos anões”, o termo pejorativo pelo qual os chineses chamavam os japoneses. Isso indica que um japonês teria muita dificuldade em se estabelecer na China, pois dificilmente seria aceito. Ainda mais se fosse um ex-pirata. Assim, a hipótese apontada por Rodell parece ser a mais plausível.

De todo modo, o filme God of War tem uma pista que pode esclarecer esse ponto. Mas antes que você acesse o artigo ou assista o filme, eu gostaria de saber a sua opinião. Qual hipótese você acredita que faça mais sentido para que este método tenha sido adquirido dos japoneses? Você sugere outra possibilidade? Escreva abaixo nos comentários!

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1 Comentário

  1. Paulo Duarte disse:

    Considere a hiatória da Katana, japonesa, ela esteve em alta no período, e as espada Tachi, de calavleiro em baixa.
    Num período posterior as batalhas de unificação do Japão , é possível que muitos sabres do tipo Tachi estivessem à disposição de pessoas como os piratas invasores apontados no contexto Ming.